Uma vida.
Mais de metade já viveste…
_ “Quem és tu?”
Perguntas-me de todas as vezes que me olhas.
Respondo-to sempre do mesmo modo. Digo-te o meu nome e acrescento:
_ “A sua neta, avô”.
Pergunto-mo se farás a mesma pergunta quando te olhas ao espelho e não mais reconheces o homem que foste…
_“Quem és tu?”
Olho-te de soslaio do outro canto da mesa. Não conversas, até porque mal ouves o que os outros dizem. (Nunca atinaste com aquele aparelho auditivo!…). Mas também não precisas.
Apanho-te desprevenido. Olhas-me… Aquele olhar diz tudo. Claro que sabes quem sou!… Mesmo que amanhã te esqueças.
Vagueias em casa. Perdes-te na cozinha. A mesma onde antes cozinhavas a tua especialidade: cataplana de marisco. “Dá gosto ver-vos comer!”, dizias aos netos, orgulhoso com a iguaria que criaste. Pão à mesa, sempre! Era inconcebível não acompanhar uma refeição com pão!
Adoravas dar longos passeios e andavas quilómetros, com passo acelerado e andar vigoroso. Hoje tens de descansar no caminho de casa para o supermercado.
Vaidoso e galã. Todos dizem que fazias virar cabeças… (Quase tantas vezes quantas a viravas tu!…).
Hoje não reparas nas nódoas que fazes nas camisas quando confundes o garfo com a faca…
Mas, quando menos se espera, dizes uma graça!…
Quando menos se espera, indicas o caminho para casa ao condutor!…
Quando menos se espera, procuras um beijo!…
Beijo-te. Sem medo, porque a tua barba já não pica…
Quando voltar, sei que farás a mesma pergunta:
_ “Quem és tu?”
Não faz mal. Eu repito.