Infertilidade. Esse palavrão!
Fui, diversas vezes, confrontada na minha prática clínica com mulheres que me procuraram com esta problemática.O diagnóstico é vivenciado com uma série de sentimentos: negação, depressão, ansiedade, revolta, angústia.
Ora, vamos por pontos:
Ponto 1) Infertilidade não é sinónimo de esterilidade! Isto é, o diagnóstico de infertilidade não é uma sentença para nunca se vir a ser mãe ou pai. Infertilidade indica que haverá uma condição na mulher, no homem e/ou no casal que impede que a conceção se dê naturalmente.
Ponto 2) É uma problemática cada vez mais comum nos dias de hoje, por uma série de fatores, desde o adiamento da idade para engravidar, condições de vida, stress, etc.
Ponto 3) Independentemente de onde reside a condição impeditiva, seja no homem ou na mulher, esta é uma problemática do casal. Infelizmente, não é incomum observar-se, no casal infértil, trocas culpabilizantes e/ou acusatórias e castradoras “Comigo está tudo bem. O problema é dela/e!”. (Com efeito, vi, frequentemente, mulheres a sujeitarem-se a tratamentos sem que o companheiro fizesse sequer rastreio…) Nota da ideia ainda retrógrada de (ainda muitas) mentalidades.
Aqui, independentemente da origem, a problemática é do casal. Deverá ser encarado como o “NOSSO problema que arranjaremos forma de resolver para conseguirMos engravidar”.
Ponto 5) Hoje em dia, há à disposição uma série de tratamentos e técnicas de reprodução medicamente assistida e só em casos muitíssimo raros, o casal não consegue concretizar o seu desejo.
Com 5 serão uma mão cheia e aqui já não tenho mais para dar, senão dizer que estas pessoas que me procuravam não sabiam que tinham à sua frente um espelho, uma outra que vivenciava o mesmo….
E, a partir daqui, opto por continuar o texto na primeira pessoa por considerar que esta é a melhor forma de chegar a vocês.
Sempre quis ser mãe. Desde miúda, encarnava esse papel nas brincadeiras e tinha uma filharada em escadinha que alimentava, vestia e de quem cuidava com toda a dedicação.
Muito pouco tempo depois do “sim”, o R diz-me que quer ser pai e quanto mais cedo melhor. Com a aproximação dos “entas” temia vir a tornar-se, mais tarde, um daqueles pais que vão buscar a criança à escola e as professoras cochicham em surdina sobre o seu grau de parentesco: “É o pai ou o avô?…”
Por ele, o tempo era “agora”. Por mim, adiava um pouco a maternidade em prol de mais uns tempos de serões de Netflix a dois…
Era simples e matemático. Decidiríamos engravidar naquela data, a criança nascia 9 meses depois, fazíamos pontaria para uma altura do ano que até fosse conveniente, e a coisa dava-se como postal de família feliz com mãe e pai apaixonados a passear um carrinho de bebé sob o sol ameno de Maio.
Decidimos então, a partir de dada altura, deixar a coisa acontecer…
Acontece… que não aconteceu!… Meses passavam e não acontecia… A dúvida e a ansiedade instalavam-se.
Tempo de consultar um especialista, fazer exames, perceber qual era o problema e atacar.
Seguiram-se meses de tratamentos com uma cirurgia, comprimidos e injeções de gonadotrofinas. Consultas e ecografias sistemáticas e um crescendo de frustração.
Quem passou ou conhece alguém que tenha assado por um processo semelhante sabe do que falo…
Queremos controlar mas não conseguimos evitar pensamentos contra factuais e de revolta e carregados de angústia: “porquê eu?; Porquê a mim?”; “Eu que tenho tudo para dar a uma criança”.
E quanto mais estes pensamentos e sentimentos se instalam mais a ansiedade impera. O irónico é ouvirmos do médico: “Tente não pensar muito nisso”… O mesmo que nos manda injetarmo-nos na barriga todos os dias à mesma hora… O mesmo que nos define dias e horas marcadas para ter relações sexuais (de si, um poderoso afrodisíaco…), ecografias, medições de temperatura… Mas sem pensar muito nisso…???!!…
No nosso caso foram 2 anos.
Foi num dia de sol que, não confiando no resultado de um teste comprado na farmácia da esquina, recebi um telefonema confirmando o que disse a análise de sangue…
Nesse dia de sol, soprei balões azuis e cor-de-rosa. Neles escrevi: “Pai, ensina-me a tocar guitarra”; “Pai, leva-me contigo a andar à vela”… e outras que o impulso ditou.
Foi nesse dia de sol que lhe disse: “estamos grávidos”!…
E nos seus olhos agora espelho vi a barriga a crescer…