Surpreende-me a quantidade de vezes que vejo pais que falam dos filhos como se eles não estivessem lá. Não se coíbem de comparecer à consulta exclusiva de pais do psicólogo com a criança pela mão, não adiam a conversa com a vizinha com quem se cruzaram no átrio ou não adiam aquele telefonema.
Pensam mesmo que “ele não está a perceber”? Acreditam, de facto, que “ela não está a ouvir”?
Será por acaso que, enquanto a mãe fala com o pai, com a amiga, com a vizinha, ele ou ela abre um leque de “maus comportamentos”, numa espécie de validação (in)consciente das queixas proferidas?… Pois deixem-me que vos diga que elas, as crianças, têm ouvido tísico, decifram o jargão dos crescidos, traduzem a gíria dos pais e leem nas entrelinhas, por mais que eles (os adultos) falem entredentes.
E mesmo que eles (os crescidos) até, por vezes, façam um esforço e falem noutra língua, ou usem “palavras difíceis”, elas (as crianças) têm o dicionário de bolso dos sinónimos, interpretam o léxico das emoções e a semântica dos sentidos.
Elas (as crianças) percebem as consoantes vozeadas, as vogais estridentes e as palavras atravessadas mesmo que ainda não tenham idade para saber ler. Já eles (os crescidos) já têm idade para ter juízo.